quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Painéis da Pelaria Pampas - Lucien Donnat

"Eu sou um homem do século XX. Em 2020  já não estarei cá, já ninguém se lembrará de mim. Assim com já ninguém se lembra da Ava Gardner ou do Clark Gable. Tiveram a sua época e foram magníficos. Também eu fiz tudo o que de mais espectacular se fez no teatro em Portugal daquela época. O que se fazia naqueles tempos com os escassos meios técnicos era espantoso.
Hoje em dia, tudo é substituído por um computador que acende a luz onde se quer, por exemplo. Eu já não pertenço à actualidade. Nem me quero actualizar."
Lucien Donnat, 14 de Setembro de 2000.
Salvador, Fernando - Lucien Donnat: Um Percurso. Sebentas, ESTC, 2007.


Lucien Donnat no seu atelier no Largo Trindade Coelho, Lisboa, 2002. © Pedro Velez - Público


CMP* homenageia Lucien Donnat (1920-2013), recentemente desaparecido, publicando os painéis da Pelaria Pampas, situada na Baixa Lisboeta, no cruzamento da Rua da Conceição com a Rua da Prata.
Embora especialmente notado como cenógrafo e decorador, através da autoria e colaboração em inúmeros projectos no âmbito das artes decorativas, Donnat deu um importante contributo, quer para a azulejaria, quer para a decoração de peças em porcelana.



Placa indicativa do atelier de Lucien Donnat, Largo Trindade Coelho, Lisboa. © CMP


Lucien Donnat nasceu em Paris, em 1920, cidade a que regressaria dezasseis anos depois, para cursar a Ecole dês Arts Décoratifs, após infância passada em Lisboa.
No final da década de 30, com o advento da Guerra, fixa-se em Portugal, começando, em 1941, a trabalhar no Teatro Nacional D. Maria II.
Assume o cargo de director artístico da Companhia Amélia Rey Colaço Robles Monteiro, fundada em 1921 e dirigida pelos dois actores, sendo responsável pela cenografia, figurinos, algumas das encenações e composições musicais, de muitas das peças levadas à cena pela Companhia, bastas vezes em parceria com outros artistas e decoradores.
A carreira teatral de Donnat abranda em 1974, com a extinção da Companhia. A escassez de trabalho após o 25 de Abril, obriga-o a viajar para o Brasil, trabalhando em vários países da América do Sul. Nesta fase dedica-se sobretudo a novos projectos de decoração ou à reformulação e manutenção de projectos anteriores de sua autoria, já na década de 80, de regresso a Portugal.



Pelaria Pampas situada no cruzamento da Rua da Conceição, nº65, com a Rua da Prata. © CMP


Foi autor do projecto decorativo da Pelaria Pampas e, embora os painéis em azulejo das fachadas, estejam identificados com o seu nome, carecem de data, não apresentando também nenhum registo da fábrica onde foram produzidos.
O estabelecimento comercial deve o seu nome à conhecida região da América do Sul, exportadora de peles, estando a decoração, tanto interior, como exterior, claramente subordinada ao tema. Pouco se sabe sobre a encomenda, talvez contemporânea da Relojoaria Cayres (actualmente Relojoaria e Ourivesaria Justus), da autoria dos arquitectos Carlos (1877-1971) e Guilherme Rebelo de Andrade (1891-1969), com cerâmicas decorativas de Jorge Barradas (1894-1971), inaugurada em 1946, na Rua do Ouro. Já que, estilisticamente o desenho se identifica indubitavelmente com as características gráficas dominantes na década de 40.
Originalmente o interior era revestido a madeiras escuras, recortadas, em contraste com os estuques brancos, reflectores da luz proveniente das amplas janelas. Sobre a porta, figura um baixo-relevo representado Diana, deusa da caça, numa clara alusão à temática proposta. Actualmente os interiores encontram-se pintados de verde ácido, desfigurando os contornos clássicos previstos no projecto inicial.



Lucient Donat - detalhe da decoração interior da Pelaria Pampas.


Após a Exposição do Mundo Português em 1940, o S.P.N. (Secretariado de Propaganda Nacional) dá fôlego redobrado à Campanha do Bom Gosto.
No nº1 da "Panorama - Revista Portuguesa de Arte e Turismo", publicação da responsabilidade do S.P.N., explicita-se o que se entende por "bom gosto", clarificando os objectivos da Campanha: "Por bom gosto entende-se, portanto, aqui, determinado estilo, determinada graça, determinado toque de originalidade que faz com que a fachada ou a simples janela de uma casa, a montra de uma loja, um cartaz, o recanto de uma sala de espera, a mesa de um restaurante, etc. nos atraiam discretamente os sentidos e, carinhosamente, os afaguem. A nota justa do conforto e da simpatia é-nos dada assim, pela conjugação harmónica dos elementos plásticos (volumes e cores), em lógica e estrita obediência aos fins a que se destinam."
A Campanha do Bom Gosto promoveu a renovação de montras e fachadas de muitas casas comerciais na Baixa lisboeta (entre as quais provavelmente estará a Pelaria Pampas), a par de várias outras iniciativas relacionadas com a promoção turística. Concretizando, sempre em tom didáctico, as directrizes da "política do espírito".



Pelaria Pampas vista da Rua da Prata. © CMP


Lucien Donnat - painel da Pelaria Pampas, Anos 40 (?). © CMP


O painel de maiores dimensões, situado no silhar da fachada virada para a Rua da Prata, tem por base uma composição simétrica, cujo eixo vertical é encimado pela figura de uma catatua, ladeada por dois cavalos com as patas da frente levantadas, o cenário é composto por vegetação rasteira, estilizada, onde significativamente podemos encontrar cactos, as Opuntias tão características da América do Sul.
Toda a figuração parece evocar a fauna e flora da região das Pampas, ainda que tratada de forma estilizada. As figuras estão envolvidas por faixas ondulantes, potenciando o efeito teatral, segundo o gosto neo-Barroco, tão em voga na época, mas também demonstrando o pendor cenográfico, dominante no trabalho de Donnat.



Lucien Donnat - painel da Pelaria Pampas, detalhe. © CMP


Lucien Donnat - painel da Pelaria Pampas, detalhe. © CMP



Lucien Donnat - painel da Pelaria Pampas, detalhe. © CMP



Lucien Donnat - painel da Pelaria Pampas, detalhe. © CMP



Lucien Donnat - painel da Pelaria Pampas, detalhe. © CMP


Lucien Donnat - painel da Pelaria Pampas, assinatura. © CMP


Estes painéis foram produzidos pela Fábrica Sant'Anna, passados a azulejo pelo pintor Resende (segundo nos informou um leitor, a quem agradecemos), manufactura onde foram igualmente executados os painéis da Estação do Rossio, também desenhados por Lucien Donnat. Sabe-se que o autor trabalhou ainda com a Fábrica Viúva Lamego, no desenho de lambrilhas e azulejos. 



Pelaria Pampas vista da Rua da Conceição. © CMP



Pelaria Pampas, Rua da Conceição, nº65, detalhe. © CMP



Lucien Donnat - painéis da Pelaria Pampas, detalhe. © CMP


Lucien Donnat - painéis da Pelaria Pampas, detalhe. © CMP

O estreito painel situado no silhar da fachada virada para a Rua da Conceição, é mais uma vez composto segundo um eixo vertical de simetria, articulando duas figuras de catatua com elementos vegetalistas e penas, configurando um ondulante friso decorativo.


Lucien Donnat - painéis da Pelaria Pampas, detalhe. © CMP


Como director artístico, Lucien Donnat foi responsável pela concepção de dezenas de cenários e figurinos, tendo doado muitas das suas maquetas ao Museu Nacional do Teatro
Deste acervo seleccionámos "Palácio de Teseu em Atenas", um dos cenários para a peça "Sonho de uma Noite de Verão" de William Shakespeare, levada à cena pela Companhia Rey Colaço Robles Monteiro, no Teatro Nacional D. Maria II, em 1952
O desenho, um guache sobre cartão, mostra a sala do palácio, com vista para exterior através de uma colunata. Os pontos de luz estão distribuídos de forma simétrica, do lado esquerdo duas candeias ladeiam uma porta, do lado direito uma lareira e uma tocha.
O modo como as faixas de tecido ondulam, criando efeitos drapeados, bem como a utilização de certos recursos gráficos, aproximam-no do desenho e dos princípios orientadores do projecto decorativo da Pelaria Pampas.


Lucien Donnat - Maqueta de cenário para a peça "Sonho de uma Noite de Verão", 1952. MatrizNet


Lucient Donat trabalhou ainda em cinema, como director artístico e cenógrafo no filme "Ladrão, Precisa-se!" (1946) de Jorge Brum do Canto (1910-1994).
No entanto, sempre manteve como actividade principal a decoração de interiores, concebendo inúmeros projetos para habitações privadas e hotéis. O Hotel Palácio do Estoril, construído em 1930, foi um dos seu projectos mais relevantes, onde o gosto Art Déco se conjuga com a sobriedade clássica.
Ainda como decorador esteve ligado aos projectos do Hotel Avenida PalaceHotel Ritz e Hotel da Lapa, em Lisboa e do Grande Hotel Panorama, em Luanda, entre outros.

A relevância da sua actividade como decorador e cenógrafo propicia-lhe propostas de trabalho muito diversificadas.
Neste contexto foi autor da decoração do serviço produzido pela Vista Alegre, utilizado no banquete oferecido pela Câmara Municipal de Lisboa, à Rainha Isabel II de Inglaterra, pela ocasião da sua visita a Portugal em 1957.
A gramática decorativa clássica, é reveladora das naturais tendências do seu autor, perfeitamente adequadas ao carácter institucional do evento. O modelo, terá sido recuperado de um antigo serviço da Companhia da Índias, combinando elementos decorativos dourados, com cenas de Lisboa quinhentista e frisos em forma de corda, ao gosto Manuelino, a preto e branco.


Lucien Donnat - Terrina, Vista Alegre, 1956. Catálogo do IX Leilao VA, 2009.


Lucien Donnat - desenho para prato, Verbete nº4529, 1956. Catálogo do IX Leilao VA, 2009.


O desenho concebido em 1956, parece articular-se com o dos serviços oferecidos pela Presidência da República, a quando da visita do Presidente Craveiro Lopes (1894-1964) a Inglaterra, provavelmente também da autoria de Donnat.
A revista Panorama, de Junho de 1956, "publica as fotografias do serviço de almoço e do serviço de chá que o Senhor General Craveiro Lopes ofereceu, respectivamente, à Rainha Isabel e ao Duque de Edimburgo, durante a sua visita à Inglaterra. A Fábrica da Vista Alegre inspirou-se num serviço da antiga Companhia da Índias ao realizar aqueles serviços de almoço e de chá, ambos brancos com decorações a dourado e azul. No serviço de almoço estão gravadas as iniciais de Isabel de Inglaterra e no de chá, as armas do Duque de Edimburgo."


Vista Alegre - imagem dos serviços oferecidos pela Presidência da República Portuguesa à Rainha Isabel de Inglaterra, revista Panorama,1956. © CMP

Vista Alegre - imagem dos serviços oferecidos pela Presidência da República Portuguesa à Rainha Isabel de Inglaterra e ao Duque de Edimburgo, revista Panorama,1956. © CMP






segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Tipos populares portugueses II - Fernando da Ponte e Sousa - SECLA

Dando continuidade à publicação das figuras de tipos populares portugueses da autoria de Fernando da Ponte e Sousa (1902-1990), produzidas  pela SECLA, durante a década de 50, publicamos agora uma expressiva figura feminina, talvez uma vendedeira ou lavadeira.

Outras figuras da mesma série:
Tipos populares portugueses - Fernando da Ponte e Sousa - SECLA
Tipos populares portugueses III - Fernando da Ponte e Sousa - SECLA
Tipos populares portugueses IV - Fernando da Ponte e Sousa - SECLA

Na versão que agora apresentamos, as roupagens combinam vários padrões gráficos compostos por linhas e pontos de cores contrastantes, sendo que a peça foi também produzida com esmaltes de cores fortes e planas, como pode verificar-se mais abaixo.


Fernando da Ponte e Sousa - figura feminina, c.1955, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - figura feminina, c.1955, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - figura feminina, c.1955, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - figura feminina, c.1955, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - figura feminina, c.1955, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - figura feminina, c.1955, SECLA. © CMP


Como havíamos referido anteriormente, estas figuras são particularmente próximas do universo da banda desenhada, tanto nacional como internacional. Sendo a figura feminina hoje publicada um caso de notáveis semelhanças com a personagem Mrs. Katzenjammer, da lendária série The Katzenjammer Kids.


Ilustração da capa de The Katzenjammer Kids Magic Drawing and Coloring Book, publicado pela Sam Gabriel Sons & Company, 1931. eBay

The Katzenjammer Kids é uma banda desenhada americana, criada pelo alemão Rudolph Dirks (1877-1968) e desenhada por Harold H. Knerr (1882-1949), entre 1912 e 1949. Foi pela primeira vez publicada em Dezembro de 1897, no American Humorist, o suplemento de Domingo do New York Journal, propriedade do magnata William Randolph Hearst.
Em ruptura com Hearst, R. Dirks abandonou a empresa iniciando uma nova série, primeiro intitulada Hans und Fritz e mais tarde The Captain and the Kids. Esta série era protagonizada pelos mesmos personagens de The Katzenjammer Kids, que por sua vez tiveram continuidade, numa primeira fase, pelas mãos de H. H. Knerr. As duas versões competiram entre si até 1979, ano do términos de The Captain and the Kids, ao fim de seis décadas de publicação.  
The Katzenjammer Kids continua actualmente a ser distribuída pela King Features, sendo considerada a mais antiga banda desenhada do mundo, no activo.
Em Portugal os Katzenjammer Kids ficaram conhecidos, entre outros nomes, por Os Sobrinhos do Capitão, tal como na tradução brasileira.

Ilustração da capa de The Katzenjammer Kids, publicado pelo New York American and Journal, 1902. CBCA


Ilustração da capa de The Katzenjammer Kids, publicado pelo New York American and Journal, 1903. CBCA


Rudolph Dirk - The Katzenjammer Kids, Vacation Begins! Dod Gast it!, prancha nº2, 1905. CBCA



Os Katzenjammer Kids foram também transpostos para cinema de animação, podendo ver-se abaixo um excerto do episódio "Policy and Pie", de 1918, preservado pela Library of Congress.





Em Portugal, o pioneiro da banda desenhada, Rocha Vieira (?-?), torna-se o percursor da prancha dominical à americana, com As Proezas do Necas & Tonecas, publicadas no jornal O Século, de Domingo, a partir de Janeiro de 1922, durante um período de cerca de três anos.
Esta série é obviamente baseada nos Katzenjammer Kids, adaptando os personagens e acontecimentos à realidade portuguesa. Assim Mrs. Katzenjammer é substituída por D. Felisberta, Captain pelo merceeiro Timóteo, e os traquinas Hans e Fritz dão lugar a Necas e Tonecas.


Rocha Vieira - Anúncio de lançamento d'As proezas do Necas & Tonecas, O Século, 12-1-1922. BNP


Rocha Vieira - As proezas do Necas & Tonecas, O Ladino em Bolandas, O Século, 22-1-1922. BNP

Talvez Ponte e Sousa, certamente apreciador de cartoon e banda desenhada, se tenha inspirado nas suas memórias de infância, passassem elas pela Mrs. Katzenjammer ou pela D. Felisberta. O que é certo é que estas cómicas e rechonchudas figuras maternais, continuaram a pontuar a produção de banda desenhada em Portugal por muito anos, ora no papel da mãe que protege e castiga, ora no papel da saloia, por oposição à sofisticação citadina.
As duas páginas que se seguem são demonstrativas dos exemplos atrás enunciados, ambas capas d'O Pajem, suplemento infantil do Cavaleiro Andante, com início em Julho de 1952.
A primeira, desse mesmo ano, mostra uma aventura de Quim e Manecas, da autoria de Stuart Carvalhais (1887-1961), onde nos aparece, na vinheta final, o incontornável par de saloios, como vítimas das tropelias dos rapazes; a segunda, de 1954, mostra uma aventura de Zé Quitola, da autoria de Fernando Bento (1910-1996), onde podemos ver a figura da mãe do protagonista, que tão bem encaixa no referido estereotipo.



Stuart Carvalhais - Aventuras de Quim e Manecas, O Pajem nº62, 1952. © CMP


Fernando Bento - Zé Quitola com o seu Burro Faísca, O Pajem nº120, 1954. © CMP


Tanto um caso como outro, saloia e/ou mãe, se assemelham à figura criada por Ponte e Sousa, sendo também suas contemporâneas. O carrapito no alto da cabeça, os seios fartos e pesados, a saia comprida coberta pelo avental, a acrescer à expressividade satírica garantida pela habilidade do modelador, compondo uma pose empertigada, de mãos na cintura e barriga empinada, num verdadeiro cartoon em três dimensões.



Fernando da Ponte e Sousa - figura feminina, detalhe, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - figura feminina, detalhe, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - figura feminina, detalhe, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - figura feminina, marca, SECLA. © CMP


Abaixo vemos duas variações com roupagens em cores planas e onde a textura do cabelo, esmaltada a uma tonalidade mais clara, melhor se faz notar.
Estes exemplares, provavelmente anteriores, exibem, para além da marca pintada à mão, o punção "SECLA" e "FPS", a sigla do autor. 
Verificamos que apenas algumas das figuras apresentam esta sigla no tardoz, inferindo que serão de datação mais próxima da origem, sendo as restantes posteriores, no entanto, esta afirmação carece de confirmação. 
CPM* agradece todos os novos dados que possam surgir, tanto sobre as figuras como sobre as suas marcações.


Fernando da Ponte e Sousa - figura feminina, c.1955, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - figura feminina, c.1955, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - figura feminina, marca, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - figura feminina, c.1955, SECLA. © CMP






segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Tipos populares portugueses - Fernando da Ponte e Sousa - SECLA

Fernando da Ponte e Sousa (1902-1990) foi um dos sócios fundadores da SECLA (Sociedade de Exportação e Cerâmica, Lda.) em 1947, para onde concebeu serviços de produção corrente e peças escultóricas de edição limitada.
Em meados da década de 50 a fábrica produziu um conjunto de figuras modeladas por Ponte e Sousa, reproduzindo, de forma expressiva e sintética, tipos populares portugueses. Figuras de pastores, pescadores, vendedeiras, varinas, etc., cujo recorte caricatural é dado pela pose e expressão do corpo, já que o rosto é sumário, isento de feições.

Outras figuras da mesma série:
Tipos populares portugueses II - Fernando da Ponte e Sousa - SECLA  
Tipos populares portugueses III - Fernando da Ponte e Sousa - SECLA 
Tipos populares portugueses IV - Fernando da Ponte e Sousa - SECLA




Fernando da Ponte e Sousa - Guardador de porcos, c.1955, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - Guardador de porcos, c.1955, SECLA. © CMP



Estas peças de pequeno formato, são decoradas com tintas de água, em cores fortes e planas, muitas vezes conjugadas com padrões gráficos contrastantes. Embora se integrem no vasto reportório de tipos regionais difundidos pelas artes decorativas e propaganda da época, em consonância  com as politicas do SNI, estas estatuetas são particularmente influenciadas pelo universo da banda desenhada internacional das décadas anteriores, como veremos em publicações seguintes. 
De notar que são também contemporâneas das abordagens pictóricas desenvolvidas por Hansi Staël  (1913-1961) a partir da observação de figuras populares da região das Caldas da Rainha e Nazaré, aplicadas em peças modelo para produção em série, da linha denominada "Motivos Portugueses". Duas visões complementares de temas semelhantes, propostas por diferentes autores, no contexto da produção da mesma unidade fabril.




Fernando da Ponte e Sousa - Guardador de porcos, c.1955, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - Guardador de porcos, c.1955, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - Guardador de porcos, c.1955, SECLA. © CMP


Começamos por publicar o Guardador de porcos, figura típica do Alentejo, região bem conhecida do autor, onde havia sido administrador da Herdade da Chaminé, antes de passar a residir nas Caldas, em 1947, a quando da formação da sociedade.
Como nos conta Alberto Pinto Ribeiro (1921-1989) em A Nova Cerâmica da Caldas (1989): "Ficaram a seu cargo as obras que eram necessárias, para o que mandou vir um grupo de operários alentejanos, que lá permaneceram vários anos. Era uma pessoa com boa experiência em fotografia e com gosto, tendo mesmo modelado algumas peças representando caracteres típicos da região, sobretudo figuras populares." 



Fernando da Ponte e Sousa - Guardador de porcos, c.1955, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - Guardador de porcos, detalhe, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - Guardador de porcos, detalhe, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - Guardador de porcos, detalhes, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - Guardador de porcos, detalhe, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - Guardador de porcos, detalhe, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - Guardador de porcos, marca, SECLA. © CMP


O Guardador de porcos, é retratado segundo um conjunto de características também difundidas pelos postais ilustrados, nas décadas de 30 e 40, muitas vezes em colecções, reunindo vários tipos populares portugueses, representados de forma mais ou menos estilizada, como pode observar-se no exemplar abaixo reproduzido.


Postal, Anos 30.


A figura é definida por um conjunto de adereços, de que fazem parte o cajado, o chapéu e o tarro, muito utilizado pelos guardadores de porcos e pastores alentejanos, bem como pelos trabalhadores agrícolas. O tarro é um recipiente de cortiça, com tampa, feito manualmente, destinado a transportar e conservar os alimentos.
Uma das particularidades curiosas nesta figura é o cajado, por ser um objecto destacável. Consiste numa pequena vara de madeira, que encaixa num orifício concebido para o efeito na base das mãos, como pode ver-se nas imagens acima, bem como o tarro pousado aos pés da figura.



Tarro -  11 cm x 24 cm, 1920. MNE



Modelo semelhante foi produzido como Pastor alentejano, mantendo o cajado em madeira e o tarro, e substituindo o suíno por uma ovelha. Desconhece-se qual das versões terá sido produzida em primeiro lugar, é possível que  fossem, desde logo, consideradas as duas possibilidades.


Fernando da Ponte e Sousa - Pastor, c.1955, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - Pastor, c.1955, SECLA. © CMP


A datação proposta é apontada em função das informações fornecidas pelo catálogo Estúdio SECLA - Uma Renovação na Cerâmica Portuguesa, edição do Museu Nacional do Azulejo, 1999, segundo a qual Ponte e Sousa terá modelado figuras de tipos populares portugueses em meados da década de 50, no entanto a marcação referente ao modelo - P545, faz supor que sejam mais antigas, talvez do início da década.