sexta-feira, 22 de junho de 2012

Galheteiro e prato - Raúl da Bernarda

A fábrica de cerâmica Raul da Bernarda, em Alcobaça, produziu nas décadas de 50 e 60 peças especialmente próximas da produção italiana do mesmo período, como já antes havíamos notado.
O galheteiro e prato que hoje publicamos, fazem parte desta tendência, partilhando do mesmo registo decorativo de um pequeno prato também já aqui anteriormente publicado, fazendo uso de um vidrado vermelho, granuloso, conjugado com o desenho de figuras esgrafitadas sobre fundo negro.



Raul da Bernarda - Galheteiro, Anos 60. © JMPF

Raul da Bernarda - Galheteiro, Anos 60. © JMPF

Raul da Bernarda - Galheteiro, Anos 60. © JMPF


Raul da Bernarda - Galheteiro, detalhe. © JMPF


O modelo 606 é composto por duas galhetas e um suporte com base em faiança e pega metálica. 
Este formato terá sido produzido com diferentes revestimentos e decorações.



Raul da Bernarda - Galheteiro, base. © JMPF


Raul da Bernarda - Galheteiro, marca de fábrica. © JMPF


O vidrado granuloso, foi adoptado na produção italiana ainda antes da Segunda Grande Guerra, no entanto tornou-se corrente apenas no período subsequente, marcando a década de 50.
Por razões óbvias, os italianos chamam Granulato a este tipo de esmalte texturado, semelhante às coberturas de açúcar usadas em confeitaria.
Lina Poggi Assalini (1907-2002), de Albisola, foi uma das ceramistas que mais explorou os vidrados Granulato no final dos Anos 40, tendo sido uma das fundadoras, em 1946, da empresa CE.AS. cuja produção muito utilizava o Granulato mat que, a par com os esmaltes policromos brilhantes, se tornou uma marca distintiva da fábrica.
Esta técnica, da autoria de Poggi, enquadrava a pintura manual de pequenas figuras de temática rural, também desenhadas por si, dando origem a objectos característicos e muito replicados por várias manufacturas italianas. O vaso abaixo reproduzido mede 26 cm de altura e data de finais dos Anos 40


Lina Poggi / CE.AS. - Vaso, final da década de 40. eBay


Lina Poggi / CE.AS. - Vaso, final da década de 40, detalhe. eBay


Lina Poggi / CE.AS. - Vaso, marca de fábrica. eBay


O Granulato desenvolve-se em Itália como forma de corresponder a necessidades comerciais. Finda a Guerra, os mercados internacionais abrem-se e torna-se necessário produzir novidade para os conquistar.
Embora este tipo de decoração fosse pouco conhecida em Itália, o ceramista Serafino Volpi começou a experimentá-la com sucesso. Volpi foi um dos responsáveis pela renovação da produção cerâmica em Deruta, uma das regiões com maior tradição cerâmica em Itália. Foi contratado pela Maiolica Deruta, em 1916, como director técnico, e mais tarde, em 1928, juntamente com Gino Veschini, cria a Maiolica Derutese, que se manterá activa até 1970, já sob a alçada dos seus filhos e netos. 
Volpi, conhecido pelas suas capacidades empreendedoras e de inovação, identifica de imediato novos mercados para a sua produção. Tendo como principal objectivo a exportação para o Japão, optou inteligentemente por conjugar vários factores, a técnica japonesa Moriage com temas do folclore americano, como índios e cowboys, muito populares à época no Japão, criando uma mistura estilística que surpreendentemente se mantém tipicamente italiana.
Assim, a Maiolica Derutese foi a primeira companhia italiana a introduzir produtos cerâmicos no Japão, logo após a Guerra.
A técnica decorativa Moriage, desenvolveu-se no Japão a partir do século XVIII, tendo sido usada durante todo o século XIX e primeira metade do século XX. Esta técnica tira partido das texturas, quer com o uso de vidrados granulosos semelhantes a casca de laranja, quer com aplicações em relevo sobre o vidrado.


Pequeno bule de fabrico japonês, da primeira metade do Séc. XX, usando a técnica Moriage. eBay


Detalhe da técnica Moriage. eBay


Na década de 50, Serafino Volpi deixa a Maiolica Derutese e cria uma oficina em nome próprio. 
A jarra abaixo reproduzida, faz parte desse período e testemunha o espírito aventureiro de Volpi, sempre avesso às tradições. Experimenta uma figuração próxima da banda-desenhada, cores vivas, formas dinâmicas e fortes texturas, demonstrando um incontestável sentido de humor.

Serafino Volpi, Deruta - Jarra, década de 50. eBay


Serafino Volpi, Deruta - Jarra, década de 50, marca de fábrica. eBay



Durante as décadas de 50 e 60, a produção italiana de menor qualidade, muitas vezes destinada aos turistas e ao mercado internacional, explora os efeitos de textura e o Granulato, como se pode observar pelas peças abaixo reproduzidas.


Jarras de fabrico italiano, Anos 50 a 60. eBay


Taça de fabrico italiano, Anos 50 a 60. © CMP


Taça de fabrico italiano, Anos 50 a 60, detalhe. © CMP


Muitas das peças produzidas pela Raúl da Bernarda associam o Granulato a figuras estilizadas de desenho esgrafitado sobre fundo negro. Estas figuras, envergando trajes de Arlequim, são também subsidiarias da  produção italiana do mesmo período, como já havíamos referido.
O prato assimétrico abaixo reproduzido, mede cerca de 25 cm de comprimento e é um excelente exemplar desta tendência.


Raul da Bernarda - Prato assímetrico, Anos 50 a 60. © CMP


Raul da Bernarda - Prato assímetrico, Anos 50 a 60, detalhe. © CMP


Raul da Bernarda - detalhe do Granulato. © CMP


O mesmo formato foi produzido com diferentes decorações, abaixo podemos ver um exemplar com uma paisagem invernosa, explorando tonalidades frias, ao gosto alemão, também muito reproduzido na produção italiana.


Raul da Bernarda - Prato assímetrico, Anos 50 a 60. Miau


Raul da Bernarda - Prato assímetrico, Anos 50 a 60, marca de fábrica. Miau



CMP* agradece a colaboração de José Manuel Pinheiro de Figueiredo, pela cedência de imagens de peças das suas colecções.



2 comentários:

  1. Boa tarde, CMP*.
    Interessante artigo, como habitualmente.
    Acrescentaria apenas que essa técnica de vidrado granulado já surgia com frequência na produção das décadas de 1920 e 1930 da fábrica checoslovaca Amphora.
    Saudações!

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  2. Seja bem-vindo MAFLS,
    uma achega importante, sem dúvida.
    Neste artigo Itália era a questão, no entanto seria interessante perceber quando começou a ser aplicado este tipo de vidrado na Europa.
    Saudações,
    CMP*

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