terça-feira, 27 de setembro de 2011

Garrafas - SECLA

Durante a década de 50 e 60, presumivelmente, a SECLA produziu garrafas para a marca de licor Coffee House, um produto das Ilhas Virgens, distribuído em todo o mercado americano.
Estas garrafas, de 30 cm de altura e também as miniaturas, de 11 cm de altura, são pintadas à mão, num padrão de riscas horizontais, em três diferentes conjugações de cores.


SECLA - Conjunto de garrafas de licor Coffe House. © CMP


Exemplares de dois tamanhos com a mesma combinação de cores. © CMP


Exemplares de dois tamanhos com a mesma combinação de cores. © CMP


Um exemplar, com 30 cm de altura, na conjugação de cores acima reproduzida, faz parte do vasto conjunto doado pelo coleccionador Francisco Coutinho Carreira ao Museu da Cerâmica das Caldas da Rainha. 
A peça consta do catálogo Cerâmica e Vidro do Século XX: a doação de Francisco Coutinho Carreira, edição Ministério da Cultura / Instituto dos Museus e da Conservação / Museu da Cerâmica, Setembro de 2007, onde está reproduzido na página 37, estando classificado como "solitário".



Exemplares de dois tamanhos com a mesma combinação de cores. © CMP


Miniatura com rótulo. © CMP

Estas peças aparecem muitas vezes descritas como jarras ou solitários, uma vez que são vulgarmente usadas como tal, embora ainda seja possível encontrar exemplares com rótulo e até selados, com o conteúdo intacto.
Foram criadas como contentores, mas ao longo dos anos foram sendo guardadas e reutilizadas, talvez por possuírem formas e cores atraentes ou apenas pelo seu carácter artesanal, que lhes confere o estatuto de peças únicas.


Miniatura selada e folheto. eBay



Exemplares de dois tamanhos com a mesma combinação de cores. © CMP


Conjunto representativo das três combinações de cores. © CMP

Todas as garrafas estão marcadas "CONTAINER MADE IN PORTUGAL hand painted by Secla", estando, portanto, claramente identificadas como vasilhas ou recipientes (container). 
Os exemplares de 30 cm de altura, têm ainda um número composto por seis algarismos, carimbado ou escrito à mão. Por ser sempre diferente, calcula-se que não diga respeito nem à forma nem à decoração, será talvez um número de série.
Este número não existe nas miniaturas e qualquer informação que esclareça a sua finalidade poderá aqui ser acrescentada.  


Marca de fábrica. © CMP



O desenvolvimento e apuramento formal da cerâmica na Europa do século XX, reflecte as diversas histórias e tradições dos países envolvidos. 
A produção portuguesa não constitui excepção, no entanto, o contágio das tendências internacionais fez-se sentir de forma notória na produção moderna, uma vez que era sobretudo destinada aos mercados internacionais.
Nestas peças, distribuídas no mercado americano, é notório o espírito lúdico e colorido, típico da cerâmica moderna produzida na década de 50, fundado nas tendências criadas pelo design escandinavo.

Durante a Segunda Guerra Mundial assistiu-se a um fechamento criativo na maioria dos países europeus, no entanto a Escandinávia continuou o seu desenvolvimento e um pequeno número de importantes fábricas e designers, conduziu à criação de objectos que definem as características do design escandinavo. 
Com fábricas como a Gustavsberg e a Rorstrand na Suécia, a Figgioflint e a Stavangerflint na Noruega, a Nymolle e a Royal Copenhagen na Dinamarca e a Arabia na Finlândia,  estabeleceram-se directrizes para as tendências do design europeu no pós-guerra.
O distinto design escandinavo toma como referências fundamentais as formas orgânicas da  fauna e flora locais, interpretadas tanto nos volumes como em padrões gráficos, bidimensionais, muitas vezes abstractos, que foram aplicados tanto na cerâmica como nos têxteis.


Stig Lindberg - Gustavsberg, conjunto de cabaças com tampa de vários tamanhos. Kirkmodern

Stig Lindberg - Gustavsberg, cabaça com tampa, Anos 50. Kirkmodern

Stig Lindberg (1916-1982) foi um dos designers que desempenhou um papel fundamental no estabelecimento internacional da reputação da fábrica sueca Gustavsberg (fundada em 1825), durante a década de 50. 
Desenhou vários conjuntos de peças, cujas formas e padrões, tanto pintados à mão como estampados, foram altamente influentes por toda a Europa e Estados Unidos da América, consubstanciando o "estilo" escandinavo, tão em voga.
Reproduzimos aqui um conjunto de peças pintadas à mão, com padrões coloridos de riscas horizontais e volumes curvilíneos inspirados pelas formas da Natureza, que enquadram perfeitamente a proposta  formal da SECLA para as garrafas do licor Coffee House.



Stig Lindberg - Gustavsberg, taça de pé alto, 19 cm x 16 cm, Anos 50. eBay



Stig Lindberg - Gustavsberg, taça de pé alto, 19 cm x 16 cm, Anos 50. eBay




Stig Lindberg - Gustavsberg, taça de pé alto, 19 cm x 16 cm, Anos 50. eBay



Stig Lindberg - Gustavsberg, taça de pé alto, vista interior. eBay




Stig Lindberg - Gustavsberg, taça de pé alto, marca de fábrica. eBay




Peça multi-funcional, com 12 cm de altura, concebida para ser em simultâneo um vaso e um candelabro:


Stig Lindberg - Gustavsberg, Vaso / Candelabro, Anos 50. Modernity




Stig Lindberg - Gustavsberg, Vaso / Candelabro, Anos 50. Modernity


Stig Lindberg - Gustavsberg, Vaso / Candelabro, marca de fábrica. Modernity



Terrinas ou caixas em forma de cabaça, com 22 cm de altura e 20 cm de diâmetro:



Stig Lindberg - Gustavsberg, Cabaça, Anos 50. Modernity




Stig Lindberg - Gustavsberg, detalhe da tampa. Modernity




Stig Lindberg - Gustavsberg, Cabaça, Anos 50. Modernity




Stig Lindberg - Gustavsberg, Cabaça, Anos 50. Modernity



Stig Lindberg - Gustavsberg, detalhe da tampa. Modernity




Stig Lindberg - Gustavsberg, marca de fábrica. Modernity




Jarra, ou garrafa, com 35 cm de altura, parte de um conjunto de inúmeras jarras decoradas com padrões de linhas horizontais e verticais, pintadas à mão, concebidas por Stig Lindberg para a Gustavsberg durante a década de 50:


Stig Lindberg - Gustavsberg, jarra, Anos 50. Modernity




Stig Lindberg - Gustavsberg, detalhe do padrão. Modernity




Stig Lindberg - Gustavsberg, marca de fábrica. Modernity

CMP* agradece ao coleccionador Geoff Kirk (www.kirkmodern.blogspot.com; www.kirkmodern.com) pela cedência de imagens da sua colecção. Sobre este assunto poderá ver mais em Obsessionistas.


sábado, 24 de setembro de 2011

Azulejos - Conceição Silva - SECLA

Em meados dos Anos 50, o arquitecto Conceição Silva (1922-1982) foi convidado  por Alberto Pinto Ribeiro (1921-1989), fundador da SECLA e seu condiscípulo na Escola de Belas-Artes de Lisboa, a desenhar um azulejo para revestimentos interiores e exteriores, o chamado 5x5, produzido nos anos seguintes com enorme sucesso.
Este azulejo foi profusamente utilizado durante a década seguinte, tal como muitos outros, produzidos por diversas fábricas, segundo os mesmos princípios: relevo de formas geométricas, em negativo ou positivo, com vidrados monocromáticos lisos, opacos ou transparentes, baços ou brilhantes.
Conceição Silva, percursor da renovação da arquitectura de interiores, sobretudo em espaços comerciais de referência na baixa Lisboeta, como a Rampa ou a livraria do Diário de Notícias, manteve a colaboração com a SECLA no o seu projecto Hotel do Mar em Sesimbra, para onde encomendou um serviço de mesa exclusivo e uma linha de acessórios e peças decorativas que contribuíram para a definição da imagem do hotel.
O arquitecto é ainda autor do azulejo 10x20 cm, concebido especialmente para a Praça do Marquês de Pombal em Lisboa, tendo ganho para a SECLA o concurso da Câmara Municipal que permitiu a aplicação de 3000 m2 de área de azulejo, numa das praças centrais da cidade.


Conceição Silva / SECLA, azulejo 5x5, vidrado mel. © CMP

Reforçando as características funcionais da azulejaria tradicional, este género de revestimento é muito mais resistente às alterações climáticas e à passagem do tempo, do que o reboco pintado, tão utilizado na arquitectura portuguesa e cuja manutenção é bastante mais dispendiosa por ser necessária mais frequentemente.
Cumpre a tradição, associando o espírito funcional a um vocabulário moderno, permitindo a criação de enormes superfícies de cor,  animadas por texturas que proporcionam eficientes efeitos gráficos, visíveis a grandes distancias.
Como pode verificar-se no edifício da década de 60, reproduzido abaixo, situado na esquina da Avenida Óscar Monteiro Torres com a Rua David de Sousa em Lisboa, onde a totalidade da superfície exterior é revestida com o azulejo da autoria de Conceição Silva para a SECLA, em vidrado azul.



Edifício com revestimento em azulejos 5x5, azul, Conceição Silva / SECLA © CMP


Edifício com revestimento em azulejos 5x5, azul, Conceição Silva / SECLA © CMP



Edifício com revestimento em azulejos 5x5, azul, Conceição Silva / SECLA © CMP


Conceição Silva / SECLA, revestimento em azulejos 5x5, azul.  © CMP

Conceição Silva / SECLA, revestimento em azulejos 5x5, azul.  © CMP

Conceição Silva / SECLA, revestimento em azulejos 5x5, azul.  © CMP


Conceição Silva / SECLA, revestimento em azulejos 5x5, azul.  © CMP


Conceição Silva / SECLA, revestimento em azulejos 5x5, azul.  © CMP


Conceição Silva / SECLA, revestimento em azulejos 5x5, azul.  © CMP


O mesmo azulejo, disposto de forma diferente, reveste parte das fachadas da Pastelaria Biarritz, situada no Largo Frei Heitor Pinto, em Alavalade.


Fachada lateral da Pastelaria Biarritz, azulejos 5x5, azul, Conceição Silva / SECLA © CMP

Pastelaria Biarritz, azulejos 5x5, azul, Conceição Silva / SECLA © CMP



Estes azulejos foram também muito utilizados no revestimento de zonas de transição entre interior e exterior.
No caso reproduzido abaixo, o vestíbulo de um edifício  situado na Rua Oliveira Martins em Lisboa, são usados exemplares com vidrado cor de mel, estabelecendo uma boa ligação entre as tonalidades quentes dos painéis de madeira, presentes no interior e na pala exterior e o brilho metálico da caixilharia em alumínio.
Aqui o efeito de padrão é criado a partir de um jogo entre horizontais e verticais, obtido através da rotação dos módulos, contribuindo para um resultado substancialmente diferente do visível no edifício reproduzido acima, demonstrando algumas das variações de aplicação possíveis .

Vestíbulo com revestimento em azulejos 5x5, mel, Conceição Silva / SECLA © CMP
Conceição Silva / SECLA, revestimento em azulejos 5x5, mel.  © CMP

Detalhe de revestimento em azulejos 5x5, mel, Conceição Silva / SECLA.  © CMP

Detalhe de revestimento em azulejos 5x5, mel, Conceição Silva / SECLA.  © CMP


Detalhe de revestimento em azulejos 5x5, mel, Conceição Silva / SECLA.  © CMP


Rectangular ou quadrado, fabricado em vários tamanhos, estes tipo de azulejo tornou-se  excessivamente popular durante a década de 70. 
Foi usado como revestimento exterior de inúmeros  edifícios, muitas vezes em soluções facilitistas, com profusas aplicações em construções de  desenho duvidoso, ao sabor das conveniências económicas ou do gosto dos empreiteiros, acabando por cair em desuso durante a década de 80.



quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Maria Keil - Estação Rossio - Azulejos do Metro de Lisboa II

Aberta ao público em 1963, a estação Rossio do Metropolitano de Lisboa, faz parte da segunda fase de construção do 1º escalão da rede, que decorreu entre 1959 e 1963.
A obra segue as premissas gerais da empreitada, estando o projecto a cargo do arquitecto Falcão e Cunha e sendo o revestimento de azulejos da responsabilidade de Maria Keil (n.1914).


Átrio poente da estação Rossio na época da sua inauguração. Foto do Estúdio Horácio Novais (1930-1980) - Biblioteca Gulbenkian Flickr

As escavações necessárias aos trabalhos de construção da estação, devido  à localização no coração da cidade, proporcionaram a descoberta de uma variedade de achados arqueológicos. 
Este conjunto patrimonial, que incluí vestígios da cidade romana, da cidade moura e das edificações do Hospital de Todos os Santos, destruídas no terramoto de 1755, foi tratado pelos Serviços Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, passando a estar exposto no Museu da Cidade, onde se mantém actualmente. 
Maria Keil resolve, neste contexto, reavivar a herança árabe na produção azulejar portuguesa, criando um padrão para o revestimento da estação onde recupera a utilização da técnica da corda-seca, evocando as construções geométricas mudéjares. 


Azulejos mudéjares de corda-seca, na Sala das Pegas do Palácio Nacional de Sintra. Foto de Joana Rodrigues/EPI.


A corda-seca, técnica predominante na azulejaria do final do século XV e início do século XVI, consiste na separação dos vidrados coloridos por um sulco pouco pronunciado, preenchido com matéria gorda, evitando a contaminação entre os pigmentos hidro-solúveis, durante a esmaltagem e cozedura.
Esta técnica vem substituir em grande escala o alicatado, utilizado até segunda metade século XV, em que pequenas peças de cerâmica vidrada, de diferentes formatos, previamente cortadas com um alicate, se agrupam, criando intrincados padrões geométricos. 

Este tipo de revestimento, semelhante ao mosaico, já que é composto por tacelos, peças monocromáticas de formato irregular justapostas, era de execução extremamente morosa, complexa e dispendiosa. 
Acabará por dar lugar a técnicas mais simplificadas de efeito visual semelhante, como a corda-seca, que concentra num só ladrilho quadrado, esquemas e laçarias só possíveis de executar anteriormente utilizando inúmeros tacelos.


Amostras de alicatado e mosaico romano (em baixo), expostas na Catedral de Sevilha. © CMP


O azulejo mudéjar estabeleceu-se na Península Ibérica durante o século XV, sendo que, em Portugal os registos mais antigos da palavra “azulejo” aparecem nos forais manuelinos, no início do século XVI.
Nesta época, o azulejo utilizado em território nacional era de produção sevilhana, já que, Sevilha era o maior centro fornecedor do mercado.


Azulejo de corda-seca com esferas armilares, na Sala de Dom Sebastião no Palácio Nacional de Sintra.

No revestimento da estação Rossio, Maria Keil retoma a corda-seca, utilizando a técnica ao serviço de uma geometria elementar típica da linguagem formal moderna.
As técnicas arcaicas como o azulejo de aresta, a corda-seca ou o alicatado, haviam caído no esquecimento desde o século XVII, dando lugar a novas técnicas de pintura que proliferaram durante os séculos XVIII e XIX. 

Durante a primeira metade do século XX, os revestimentos em azulejo perderam relevância, reduzindo significativamente o seu número. Nas construções das décadas de 30 e 40, orientadas pelas regulamentações do Estado Novo, os revestimentos em azulejo são muitas vezes preteridos a favor de outros materiais mais austeros.
Com os painéis do Metro de Lisboa, Maria Keil traz esta técnica ancestral para o século XX, insuflando um novo fôlego na produção azulejar moderna.


© CMP


© CMP


© CMP

As imagens acima põem em evidência as relações formais entre elementos geométricos presentes em azulejos de corda-seca, de produção sevilhana, do Palácio Nacional de Sintra e detalhes do revestimento da estação Rossio. 
Os elementos circulares de construção centralizada ou radial, em forma de estrela ou esfera armilar são assimilados dando origem a formas esquemáticas simplificadas que,  mesmo na ausência da intencionalidade de citação directa, resultam, sem dúvida, da maturação de um  passado cultural de vários séculos. 



O revestimento é composto por uma quadrícula em tons de azul e verde, pontuada por elementos violeta. 
Esta quadrícula constitui o fundo onde se inscreve, por via da corda-seca, uma trama linear de diagonais, regularmente interrompida por grupos de quatro azulejos onde figuram elementos de forma circular.  


Estudo de Maria Keil para os azulejos da estação Rossio. Viúva Lamego


Maria Keil - revestimento da estação Rossio (1962-63). © CMP



Maria Keil - revestimento da estação Rossio (1962-63). © CMP


Maria Keil - pormenor do revestimento da estação Rossio (1962-63). © CMP



Maria Keil - pormenor do revestimento da estação Rossio (1962-63). © CMP



Maria Keil - pormenor do revestimento da estação Rossio (1962-63). © CMP

Neste detalhe pode observar-se o deficiente tratamento e remontagem dos painéis durante as obras de requalificação e expansão das linhas em 1999. 
Vários azulejos foram danificados e trocados na remontagem, no caso acima, os quatro azulejos que compõem o círculo pertencem notoriamente a conjuntos diferentes.


Maria Keil - revestimento da estação Rossio (1962-63). © CMP

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